Vamos matar alguém ao estilo Lullaby
Perambulava sempre sem destino pelas ruas do centro de São Paulo,
sempre passando pelos mesmos lugares, os mesmos onde se sentia
seguro.
Volta e meia estendia um pouco suas voltas por lugares mais ermos
do que os habituais, passava pela Ladeira da Memória, biblioteca Mario
de Andrade; e as vezes até atravessava a Praça da República para
passar em frente aos inferninhos da rua Aurora.
As vezes ia acompanhado, mas na maioria delas estava só. Certa vez
passava pela rua Major Sertório quando lhe pediram um cigarro, sacou o
maço de Lucky Strike do bolso e estendeu sua mão num gesto generoso;
o travesti até tentou puxar conversa, mas nunca conversava com ninguém
durante suas caminhadas solitárias.
De vez em quando ficava sentado quase invisível na escadaria do banco em
frente ao edifício Copan observando o vai e vem de carros e pessoas na entrada
da movimentada casa noturna que só abria lá pelas 04h da manhã. Observava
atentamente os adeptos do estilo de vida “basta escolher, basta pagar”; e
balançava negativamente a cabeça num gesto hipócrita como se nunca tivesse
feito aquilo.
Durante muito tempo estas voltas satisfaziam sua vontade de sair de casa, mas
aos poucos as mesmas foram perdendo o sentido, bem como os pensamentos
que povoavam sua mente durante as mesmas.
Com as dificuldades financeiras que enfrentava, queria de alguma forma ajudar as
pessoas necessitadas com quem cruzava nas noites, que por muitas vezes
durante o ano eram frias.
Sem dinheiro mas cheio de boas intenções como só o inferno é, resolveu aniquilar
o sofrimento das pessoas do modo que achava mais justo.
Estudou durante semanas um jeito de sua ajuda não ser descoberta, até encontrar
o modus operandi perfeito. Conseguiu uns calmantes com as vizinhas de sua mãe,
alegando stress no trabalho, e todas as noites os dissolvia em uma garrafa térmica
cheia de chá.
Colocava sua mochila nas costas para transportar a garrafa térmica e os copos
descartáveis e saía para sua caminhada.
Estava passando pela rua XV de Novembro quando encontrou o primeiro mendigo
ao qual ofereceria a ajuda. Conversou um pouco com o homem que aparentava
cerca de cinqüenta anos e serviu o chá ainda quente. Enquanto o mendigo se
ajeitava sobre os papelões e se cobria, o rapaz cantava uma velha canção de ninar
que escutava ao som da voz de sua mãe quando era criança; e quando finalmente
percebeu que o homem havia adormecido mudou a canção e a entonação doce da
voz para Sweet Dreams na tosca versão de Marilyn Manson enquanto quebrava o
pescoço do homem.
Já faz alguns anos que pratica este ritual sádico que tem a coragem de chamar de
ajuda aos necessitados, e os jornais insistem em dizer que os moradores de rua têem
morrido pelas baixas temperaturas do inverno paulistano.
Mais um trago
Desejo de fazer tudo ao mesmo tempo
Vontade de fazer nada
Sentir-se aprisionado
Solidão exarcebada.
O mundo as vezes nos aprisiona em nossa solidão
deixando-nos presos a nossos espelhos, fugimos a
cada noite, a cada dia, mas quando voltamos a solidão
nos alucina.
Saudade só existe em português e faz o tempo parar.
Amigos, bebidas, cigarro (hummm, mais um trago)...
balada, gente, dança e movimento.
Melhor ir para casa e dormir escutando um Cocteau Twins.
Encarar-se é difícil.
Cristiano Rolemberg Carozzi Aguiar
16/03/2005